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O DIA DO FICO – 9 DE JANEIRO DE 182

Segundo Escragnolle Doria, em artigo publicado no Boletim de setembro do Grande Oriente do Brasil, ano de 1922, “logo ao findar 1821, um navio, o Infante D. Miguel, trouxe ao Príncipe, sob a forma de decretos, várias imposições das Cortes de Lisboa. Entreex elas a de D. Pedro desamparar o Brasil. Viajaria incógnito “por alguns países ilustrados”, com o fito de obter conhecimento para ocupar dignamente o trono português.

“Um pouco de ironia não muito política. Do bojo do Infante D. Miguel ainda saiu a notícia da próxima extinção de quanto tribunal ou repartição pública havia no Brasil desde 1808.

“Clamor geral, opiniões discordes. Tropas lusitanas, alguns portugueses e brasileiros republicanos apoiavam a saída do príncipe; a maioria tendia e pretendia para ele, e a vantagem de sua permanência.

“A Câmara de São Paulo encarregou José Bonifácio, o Marechal Arouche e o coronel Gama Lobo de alcançar o Rio, para suplicar ao príncipe desobediência as Cortes. Sete dias levaram a chegar, semana na qual os cariocas cobriram de assinaturas representações em favor da permanência de D. Pedro, em casa de José Joaquim da Rocha.

Os comerciantes dirigiram-se a José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara ato de vereação extraordinária concitando o príncipe a revoltar-se contra as Cortes. Oito mil assinaturas febris assinalaram o desejo em outras representações.

José Clemente Pereira,  julgou chegado o momento de traduzir-se o anseio nacional. Consultou  os oficiais do Senado da Câmara que apoiaram pretensão. Requereu então audiência ao Príncipe Regente. Nela traduziu o sentimento da massa febril dos brasileiros.

Fixou-se o dia. Raiou 9 de Janeiro de 1822.

“Com o sol alvorecia um povo. Desde  madrugada a cidade borborinhou. Esvaziaram-se as casas nacionais, fecharam-se outras portuguesas. Nos quarteis das tropas lusitanas reinou a expectativa, depois da expectativa o desconforto, depois do desconforto o silêncio.

“Ia surgir sucesso que todos advinhavam capital, quer no provável sim, quer no possível não. Sim, seria um Brasil coberto de flores; não, o Brasil tingido de sangue.

“Neste grande dia 9 de janeiro, sem desconhecer nenhuma das figuras nacionais que, de há muito, o vinham preparando, duas personagens atraíram a atenção geral: D. Pedro e José Clemente Pereira; um mandatário da realeza e procurador dinástico paterno; o outro, representante do povo no seu mandato  mais direto, o municipal.

“Ambos portugueses, porém ambos irmanados à brasileira em grande acontecimento histórico.

“Colocara-os a sorte à frente dos acontecimentos e, dentre deles, a 9 de janeiro de 1822, encontraram-se, face a face, na turba de um povo que ameaçava, de um império que latejava.

“A 9 de janeiro de 1822, no Largo do Paço, e circunvizinhanças, oprimia-se, para desafogar, a maior parte da população carioca, esperando a chegada dos homens bons da cidade ou dos camaristas, hoje intendentes municipais.

“Reuniram-se aqueles no consistório da Igreja do Rosário. As onze horas da manhã desceram à rua, estandarte à frente, José Clemente por cabeça.

“Todos em grande gala. Cabeças nuas. Desceram a rua do ouvidor, a passo lento. Subiram as escadas do palácio da cidade onde o Príncipe Regente os recebeu, na sala de honra. Dava meio dia. Limpo o céu, sol reinando sobre a festa.

“Apresentou-se José Clemente, seguido de oficiais e empregados da Câmara, de pessoas gradas, de representantes da junta governativa de S. Pedro do Rio Grande do Sul,  e das Câmaras de Magé e Santo Antonio de Sá.

“Após profunda vênia, falou José Clemente. Não lhe tremeu a voz, interprete de tantos votos. Leu discurso longo, assim iniciado: “Senhor – A saída de Vossa Alteza Real dos Estados do Brasil será o fatal decreto que sancione a independência do reino ! Exige, portanto, a salvação da pátria que Vossa Alteza Real suspenda a sua ida até a nova determinação do soberano congresso.

“Tal é, Senhor, a importante verdade que o Senado da Câmara desta cidade, impelido pela vontade do povo, que representa, tem a honra de vir apresentar a muito alta consideração de Vossa Alteza Real; cumpre demonstrá-la.

“José Clemente findou com estas expressivas palavras: “Tais são, Senhor, os votos deste povo, e protestando que vive animado da mais sincera e ardente vontade de permanecer unido a Portugal, pelos vínculos de um pacto social, que, fazendo o bem geral de toda a nação, faça o do Brasil, por anéis de condições em tudo iguais, roga à Vossa alteza Real que se digne de acolher benigno e anuir a eles, para que aqueles vínculos mais e mais se estreitem e se não quebrem...por outra forma ameaçado rompimento de independência e concórdia parece por certo e inevitável.”

“O coronel Carneiro, representante dos rio-grandenses do sul, empenhou a sua palavra, pela deles, afirmando a perfeita concordância dos sentimentos dos  seus patrícios com os dos cariocas.

“D. Pedro, então, do alto do trono, dirigiu-se a José Clemente e disse: “Como é para bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que Fico.”

“O procurador do Senado da Câmara desenrolou o estandarte do mesmo. José Clemente, ao lado do colega transmitiu ao povo a resposta do Príncipe, o Fico de tantas consequências.

“Jubilou o povo, imensa aclamação atroou. Centenas de vozes pediram pelo Príncipe. D. Pedro surgiu numa das janelas e disse “urbi et populi”: “Agora só tenho a recomendar-vos união e tranquilidade.”

“Finda a cerimônia-prólogo, os sessenta e tantos cidadãos das primeiras classes do Rio de Janeiro, com o uniforme de capa e volta de rigor no tempo, voltaram ao consistório da Igreja do Rosário, pelo itinerário da ida a palácio.

“Dezenove anos depois, José Clemente, ministro da Guerra, orando na Câmara dos Deputados, a propósito de proposta do governo fixando a força de terra e respondendo a um dos Andradas, pronunciou curioso e precioso discurso sobre o patriarcado da independência. Nesse discurso foi peroração o seguinte:

“Com estas informações, o ilustre deputado decidirá, decidirá o público, e quem quiser ser juiz, que deve ter a prioridade no ato de 9 de de Janeiro (o Andrada reclamava-a para S. Paulo). Talvez mesmo aconteça que em nosso entusiasmo, sem nos haver combinado, estivéssemos todos dispostos para o mesmo fim; mas eu hei de continuar a sustentar que a prioridade pertence ao Rio de Janeiro.

O Nobre deputado continuará a sustentar que pertence a S. Paulo; a questão será decidida pelos elementos oficiais que houverem a este respeito; mas enquanto não se decide nunca o Rio de Janeiro terá de ficar em segundo lugar.”

“Para inteligência e segurança dos acontecimentos do Fico, convém sobretudo ler não só o discurso de José Clemente, em 1841, como a carta do Príncipe Regente a D. João VI, no próprio dia do sucesso, narrando-o, em frase moderada e respeitosa, contido o natural ardente e as disposições belicosas.

“Muitos outros documentos há, anteriores e posteriores ao Fico, para bem julgá-lo, com paciência e a serenidade, atributos do verdadeiro historiador.

“A História é crivo muito delicado. Não serve em qualquer mão.”

Assim encerra Escagnolle Doria o seu artigo sobre o Fico.

No centenário do Fico, a Loja Comércio e Artes na idade do ouro, primaz do Grande Oriente do Brasil, resolveu comemorar o acontecimento, realizando no dia 9 de janeiro de 1922 uma sessão magna, digna dele.

Às 21 horas, o salão nobre do Grande Oriente do Brasil, todo ornado de flores naturais, com feérica iluminação e repleto de irmãos e seus familiares apresentava belíssimo cenário. O Venerável da Oficina o poderoso irmão Miguel Papaterra, declarou abertos os trabalhos, mandando dar ingresso no templo ao Poderoso Irmão General Thomaz Cavalcanti, soberano Grão-Mestre da Ordem.

Assumindo a presidência da sessão o soberano Grão-Mestre desculpou a falta do Poderoso Irmão Coronel Mattoso Maia Forte, Orador oficial; falou sobre a data que se comemorava; referiu-se a tudo quanto a Maçonaria tem em vista efetuar, por ocasião dos festejos do Centenário da Independência Brasileira, e l comentou o programa que, a respeito elaborou.

A seguir, fez uso da palavra o Poderoso Irmão Dr. Manoel Pecego, o qual, numa ligeira saudação, manifestou os agradecimentos da Loja, pela presença de todos que abrilhantaram a festa.

Falaram ainda os Poderosos Irmãos, Drs. Hugo Martins, em nome das Oficinas representadas, e lemos Cordeiro, saudando o soberano Grão-Mestre, a pedido dos maçons.

A Loja Comércio e Artes obsequiou as senhoras e senhoritas presentes como mimosos bouquets de flores naturais.

Vale registrar, que em 1922, o centenário do Fico foi comemorado com três solenidade oficiais. A primeira, na Igreja do Rosário. Após missa solene, o Prefeito Carlos Sampaio descerrou placa afixada na fachada d templo, com os dizeres principais seguintes: “Desta Igreja, onde funcionava o Senado da Câmara, saiu às 11 horas da manhã de 9 de janeiro de 1822, o préstito que, tendo à frente José Clemente Pereira, foi solicitar ao Príncipe Regente D. Pedro que ficasse no Brasil”. A banda de música do Corpo de Marinheiros executou o Hino nacional. Coelho Neto Discursou. A segunda, no antigo Paço, na Praça Quinze de Novembro, para onde o Prefeito e se comitiva se dirigiram a pé, pouco antes do meio dia, quando o Presidente da República Epitácio Pessoa descerrou a placa, no saguão do edifício, sob a sétima janela, com os dizeres principais seguintes: “Neste local, a 9 de janeiro de 1822, o Presidente do Senado da Câmara, José Clemente, comunicou ao povo a resolução do Príncipe – Regente D. Pedro de ficar no Brasil”. Bandas de música marciais executaram em uníssono o Hino Nacional. Alunos de escolas municipais cantaram o Hino da Independência, Nacional e da Bandeira. Falou na ocasião Artur Pinto da Rocha, ex-deputado federal, professor e fundador da Faculdade de Direito de Porto Alegre, em 1926 nomeado ministro do Supremo Tribunal Federa. A terceira, no Convento de Santo Antônio, às treze horas, quando o prefeito Carlos Sampaio descerrou placa, no pátio, com dizeres principais seguintes: “Neste convento, na cela de Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio, se reuniram alguns dos propugnadores da permanência do Príncipe D. Pedro e da Independência nacional”.

À noite houve sessão do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, sob a presidência do Conde Affonso Celso, aí pronunciando conferência alusiva ao evento Artur Olímpio Viveiros de Castro, membro da entidade e ministro do Supremo Tribunal Federal.

Resta-nos aguardar quais comemorações serão promovidas pelo Grande Oriente do Brasil e pelas autoridades do Rio de Janeiro e do Brasil, quando das comemorações do bicentenário de nossas Federação Maçônica e da Independência do Brasil.

Helio P. Leite

Grão-Mestre de Honra do Grande Oriente do Distrito Federal (2003-2007) e portador da Comenda da Ordem do Mérito D. Pedro I