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2022 – O ANO DO BICENTÁRIO DO GRANDE ORIENTE DO BRASILLUIZ GAMA – PATRONO DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO DO BRASIL E HERÓI BRASILEIRO

São recorrentes nas redes sociais, em particular nos grupos de WhatsApp, mensagens com foto e texto sobre Luiz Gama, que ressaltam as suas qualidades de abolicionista – porém com críticas construtivas, pelo fato de ele estar esquecido pelos maçons brasileiros, e por não ser reverenciado assim como é Zumbi dos Palmares, no dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra.
Ao invés de responder ditas mensagens, que me são enviadas pelos meus correspondentes em WhatsApp, e considerando a minha pretensão de elaborar textos sobre fatos e atos da história da Maçonaria brasileira, em particular, sobre o Grande Oriente do Brasil, que em 2022 estará comemorando os seus 200 anos de fundação, resolvi realizar uma pesquisa sobre a vida desse grande e ilustre brasileiro, que é LUIZ Gonzaga Pinto da GAMA.
Para tanto, fui buscar informações na Wikipédia, e em dois livros de que disponho, e que tratam dessa figura exponencial, que são: Os Maçons e a Abolição da Escravatura, de José Castellani, editado por A TROLHA, em 1998, e A Maçonaria e a Emancipação do Escravo, tese de mestrado do maçom Frederico Guilherme Costa, editada por A TROLHA, em 1999.
Antes, porém, de adentrar em sua riquíssima biografia, necessário se faz informar que em 2018 Luiz Gama foi considerado Herói Nacional, pela Lei nº 13.628, e seu nome foi inscrito no Livro de Aço dos Heróis, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília, Distrito Federal. Na mesma data, pela Lei nº 13.629, o grande abolicionista foi reconhecido como Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil. Leis estas autografadas pelo maçom Michel Temer, então Presidente da República.
Da pesquisa feita, me foi possível sintetizar a grande massa de informações existentes sobre a figura do maçom Luiz Gama, nos termos que a seguir exponho.
Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu em Salvador, Bahia, a 21 de junho de 1830, e faleceu em São Paulo, em 24 de agosto de 1882, aos 52 anos de idade. Ele é filho da africana livre Luísa Mahin – uma das principais figuras da Revolta dos Malés, também conhecida como Revolta dos Escravos de Alá – com um fidalgo branco, de origem portuguesa, de  uma família baiana, cujo nome real ninguém nunca soube. Luísa também participou da Sabinada, em 1837, quando foi para o Rio de Janeiro, de onde foi exilada, por motivos políticos.
Filho de pai rico, que esbanjou uma boa herança, e ficou reduzido a uma pobreza extrema, vendeu o seu filho como escravo para pagar dívida de jogo. Luiz Gama foi comprado pelo Alferes Antônio Pereira Cardoso, proprietário de uma fazenda no município de Lorena-SP. Em 1847, o alferes recebeu a visita do estudante Antônio Rodrigues do Prado Junior, que se afeiçoou a Luis, e lhe ensinou a ler e escrever.
Aos 18 anos, começou a reunir provas de que a sua situação de escravizado era completamente ilegal, tendo ciência de que seu pai e sua mãe gozavam de ampla liberdade. Pediu então ao seu senhor que lhe desse alforria. Sem sucesso, fugiu para São Paulo, na posse das provas de que nascera livre, onde conquistou judicialmente a própria liberdade.
Em São Paulo, Gama passou por várias metamorfoses: foi criança livre, e ali também foi feito escravo, e depois chegou novamente a homem livre. De analfabeto, passou a integrante do mundo das letras. Também exerceu diversas profissões e posições sociais: escravo do lar, soldado, ordenança, copista, secretário, tipógrafo, jornalista, advogado e autoridade na Maçonaria.
Gama foi leitor da obra Vida de Jesus, do filósofo francês Ernest Renan, publicada originalmente em 1863, e logo traduzida no Brasil. Sua única obra publicada, em duas edições (1859 e 1861), foi Primeiras Trovas Burlescas, que o colocou no panteão literário do Brasil, apenas 12 anos depois de haver aprendido a ler. Ela também traz poemas de autoria do amigo José Bonifácio, o Moço, sobrinho de José Bonifácio de Andrada e Silva.
Em 1856, foi nomeado escrevente da Secretaria de Polícia, quando se aproximou de José Bonifácio, e iniciou então estudos de Direito, por sua própria conta.
Começou a sua carreira de jornalista na capital paulista, junto ao caricaturista  ngelo Agostini; eles dois fundaram, em 1864, o primeiro jornal ilustrado humorístico daquela cidade, intitulado Diabo Coxo.
Dois anos mais tarde, ainda com Agostini, com a adesão de Américo de Campos, fundam o  hebdomadário Cabrião; os três pertenciam à mesma Loja Maçônica, e comungavam dos mesmos ideais republicanos e abolicionistas.
A Loja América foi bastante ativa na causa abolicionista; fundada por Luiz Gama e Rui Barbosa, dela também teria feito parte Joaquim Nabuco. Quando de sua morte, era Gama o Venerável Mestre de sua Loja.
Serviu por seis anos no Exército, dando baixa em 1854. Dois anos depois, voltou à Força Pública. Em 1868, foi expulso da Polícia, por ter sido considerado “baderneiro”, por conta de sua atuação junto ao Partido Liberal.
Foi nesse tempo que se consolidou a figura de ativista liberal abolicionista. Enquanto se preparava juridicamente sozinho, por ter sido rejeitado pelos colegas e professores da faculdade, escrevia para inúmeros jornais: O Diabo Coxo; O Cabrião; O Polichinelo; O Coroaci; e, mais tarde, O Radical Paulistano.
Luiz Gama utilizava a sua formação moral e jurídica como instrumento de luta nos tribunais, na imprensa, nos parlatórios, e onde mais a sua voz pudesse ser ouvida. Atuou na advocacia, em prol dos cativos; aos 29 anos, era autor consagrado e considerado por muitos como o maior abolicionista do Brasil.
Autodidata, Gama frequentou o curso de Direito como ouvinte, mas não chegou a se diplomar, por causa do racismo presente na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, pressionada pela aristocracia cafeeira, que por causa da sua cor negra não permitiu a sua matrícula.
Em suas atividades como rábula, na luta contra a escravidão, conseguiu libertar mais de 500 escravos. Pela importância do trabalho de Luiz Gama na causa emancipacionista dos negros, em plena vigência das leis escravocratas, recebeu o epíteto de “Apóstolo Negro da Abolição”.
O lema de sua militância era “Escravizados, não escravos”. Isso porque defendia ele que o Alvará de 1818 proibira a entrada de escravos vindos de portos africanos do norte do equador, e logo depois a lei brasileira de 1831 vedou o tráfico de qualquer região da África para o Brasil. Ou seja, africanos desembarcados após aquela data eram considerados livres. Não obstante a ênfase da lei de 1831, o tráfico se prolongou até 1850.
Apesar de seu empenho, em 1880, dois anos antes de sua morte, havia conseguido libertar apenas 500 negros e mulatos sequestrados e escravizados.
Porém, a grande maioria dos 15% de cativos da população brasileira permaneceu “criminosamente cativa” até o dia 13 de maio de 1888.
Por ter sido rábula, após 133 anos de sua morte, Luiz Gama recebeu o título de Advogado, concedido pela OAB nacional, em cerimônia realizada na Universidade Presbiteriana Mackenzie, no evento promovido pelo Instituto Luiz Gama, tendo sido esta a primeira vez que tal homenagem foi conferida.
Luiz Gama deveria estar entre as figuras mais conhecidas da história brasileira, como um dos maiores, senão o maior símbolo de sua época. No entanto, pouca gente conhece a história desse verdadeiro herói.
Foi um dos raros intelectuais negros do Brasil escravocrata do século 19, o único autodidata, e o único a ter passado pela experiência do cativeiro. Pautou a sua vida na defesa da liberdade e da república, foi ativo opositor da monarquia, mas veio a morrer seis anos antes de ver os seus sonhos concretizados.
Gama tinha diabetes, e esta foi a causa mortis que o vitimou, a 24 de agosto de 1882.
Morto o grande abolicionista e libertador de escravos, o seu corpo foi colocado num esquife, na sala da frente de sua casa; um escultor então moldou o seu rosto em gesso. O féretro saiu no dia seguinte, às três horas da tarde. O cemitério ficava no outro extremo da cidade, e para sua condução um coche funerário estava preparado, mas a multidão que para ali acorrera não deixa que ele siga desse modo. “O amigo de todos” – como era conhecido – teria que ser “levado por todos”.
Antonio Loureiro de Sousa, em 1949, registrou: “O seu enterro foi um espetáculo inédito, foi o maior de que há notícia naqueles tempos. A multidão acompanhou o féretro, com todo silêncio e admiração, e era obrigada a parar pelos numerosos discursos, que interrompiam o cortejo fúnebre.” “Foi o mais emocionante acontecimento da história da cidade de São Paulo”, segundo Zeca Borges, em 2013.
A morte de Gama e o discurso engajado junto ao seu túmulo marcaram o fim da primeira fase do Movimento Abolicionista, marcadamente “legalista”, e teve então início a fase de ações efetivas de combate aos escravistas: dirigida por Clímaco Barbosa, a campanha passou às “vias de fato”, onde as pessoas acolhiam escravos fugidos, escondendo-os em suas casas, até serem encaminhados ao Quilombo Jabaquara, em Santos, e estimulava a fuga em massa das fazendas.
Alguns anos depois de sua morte, e em seguida à Abolição, foi fundada pelo maçom Góes, e colaboração de irmãos das Lojas Trabalho e Ordem e Progresso, a Loja Luiz Gama, com a iniciação de 25 negros.
No Largo do Arouche, em São Paulo, há um busto erguido em sua memória, erigido a mando da comunidade negra, por ocasião do seu centenário, em 1930.
Em sua homenagem, em 1919, a Estrada de Ferro Sorocabana nomeou uma de suas estações como Luiz Gama, mas ela hoje, infelizmente, está praticamente em ruínas.
Em 3 de novembro de 2015, após 133 anos da morte do grande abolicionista, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, lhe concedeu o título de “advogado”, uma vez que não era formado e atuava provisionado, como rábula... Uma justíssima homenagem a quem tanto lutou pela liberdade, igualdade e respeito, segundo Marcus Vinícius Furtado Coelho, então presidente nacional da OAB.
Em Fortaleza, capital do Ceará, a municipalidade nomeou com o seu nome uma rua situada no bairro Engenheiro Luciano Cavalcante.
Diante da sofrida vida de Luiz Gama, analfabeto até os 17 anos de vida, quando superou dificuldades, se alfabetizou, adquiriu conhecimentos jurídicos, como autodidata, e tendo em vista o brilhantismo de sua trajetória como jornalista, escritor, poeta, abolicionista e republicano, é de se reconhecer que ele merece ser mais conhecido e mais homenageado a cada ano, por parte dos maçons e dos poderes públicos.
Penso que é chegada a hora de nós maçons prestarmos as devidas homenagens a este grande brasileiro, notável maçom, patrono da Abolição da Escravatura e herói da Pátria brasileira, não por sua cor, mas por seu exemplo de superação às intempéries da vida, e também exemplo de cidadania e de heroísmo, na luta que realizou pela abolição dos escravos, e pela Independência do Brasil.
Escritor, poeta e jornalista, considerado um dos expoentes do Romantismo, contemporâneo de Castro Alves, foi chamado de “Orfeu de Carapinha”, porquanto dominava  tanto a poesia lírica quando a satírica. Bem que Luiz Gama pode muito bem merecer, por parte de nossas Academias Maçônicas de Letras, uma semana de estudos sobre a sua vida e obra.

Helio P. Leite
Um eterno aprendiz