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LITURGIA & RITALÍSTICA MAÇÔNICA

Para melhor estudar e compreender os reais significados da Liturgia e Ritualística Maçônica, é necessário conhecer suas origens, seus conceitos básicos, suas evoluções e suas finalidades.

Neste sentido, para adentrar no conhecimento do que seja liturgia e ritualística no âmbito maçônico é preciso recorrer a história do cerimonial, do rito e do ritual, ao longo da caminhada da Humanidade.

CERIMONIAL, RITO E RITUAL

Os primeiros registros do cerimonial datam de épocas proto-históricas há 40 mil anos. Alguns antropólogos interpretam as pinturas rupestres do paleolítico na região de Altamira e Morella de la Vella, na Espanha, como cenas de celebração: caçadas, visita de chefes de tribos vizinhas, reuniões do clã para celebrar efemérides, cenas de batalhas. Nestas imagens, constata-se o resgate de quatro cerimônias rituais: de corte, festas, religião e do poder bélico do soberano (Lins, A. E., Evolução do Cerimonial Brasileiro – aulas e conferências. Recife, Comunigraf Editora, 2002).

A palavra cerimonial sempre esteve associada à palavra ritual, relação esta que é discutida na obra “Ritos e Rituais Contemporâneos”, da etnóloga francesa Martine Segalen. A discussão  tem início colocando uma importante questão: “rito, ritual, cerimônia, festa: qual o conteúdo semântico¿” Sua investigação parte dos estudos linguísticos de Benveniste:

“Segundo o linguista Émile Benveniste, a palavra “rito” teria vindo de ritus, que significa “ordem prescrita”, termo associado a formas gregas tais como artus “ordenação”, ararisko “harmonizar”, “adaptar” e arthmos, que evoca o “laço”, a “junção”. Junto com a raiz ar que deriva do indo-europeu védico (rta, arta), a etimologia remete essa análise à ordem do cosmo, à ordem das relações entre deuses e os homens à ordem dos homens entre si”.

Na própria etimologia da palavra “ritual”, assim como na de cerimonial, há uma relação entre a organização dos homens em si. Ainda que o uso das palavras “rito”, “ritual”, “cerimônia”, “cerimonial” e “solenidade” apareçam indistintamente, segundo a autora, as origens encaminham-se aos ritos cívicos solenes, de origem profana. Como o ritual marcou a atividade humana, o cerimonial dominou e domina até hoje as atividades que envolvem rituais.

Segalen acrescenta o termo “liturgia” na lista das aproximações semânticas e faz ligação com os termos usados em francês, em que cerimônia, cerimonial e ritual se entrelaçam no campo religioso.

Portanto, o vínculo entre o ritual e o cerimonial é significativo para compreender o cerimonial. Por sua vez os ritos são caracterizados por atos simbólicos manifestados por emblemas materiais e corporais.

Segundo, ainda, Segalen:

“Enquanto conjuntos fortemente institucionalizados ou efervescentes os ritos devem ser considerados sempre como um conjunto de condutas individuais ou coletivas relativamente codificadas, com suporte corporal (verbal, gestual e de postura), caráter repetitivo e forte carga simbólica para atores e testemunhas.”

CERIMÔNIA, RITO E RITUAL

No Dicionário de Liturgia, de autoria do monsenhor Sabino Loyola, 1994, encontram-se os verbetes “Cerimônia”, “Rito” e “Ritual”, conceituados conforme a seguir:

Cerimônia

“Os autores latinos explicam a sua etimologia como procedente da cidade de Caere, na Etrúria, onde os Romanos, na tamada de Roma pelos gauleses, retiraram os objetos sagrados dos templos. Originar-se-ia da expressão latina: Cireris munia (ofertas feitas à deusa Ceres), porque eram acompanhadas de grande solenidade. Para Righetti é cada uma das partes que compõem um rito, como as atitudes corporais, os movimentos que acompanham a proclamação da palavra. Para ele, cada uma das partes que compõem um rito com expressão corporal.

Cerimônia, em resumo, é a descrição da correta execução de qualquer ação litúrgica. Cabe particularmente ao mestre de cerimônia, conhecer bem as cerimônias para dirigir com segurança os ministros.”

Rito

“De origem remota do sânscrito riti, que significa disposição, uso, procedimento. Veio ao português pelo latim ritus. 1. No sentido mais corrente é o ato cultual, ordenado, com poucas variantes. 2. Sinônimo de rito é o termo latino Ordo que abrange o conjunto da liturgia de um sacramento: acolhimento, leituras bíblicas, liturgia sacramental, rito final.3. Denomina-se rito ou liturgia um ramo do grupo ou família. São três os grupos: antioquino, alexandrino no Oriente e um no Ocidente, ligados a Roma como ramos ligado ao mesmo tronco. São os ritos romano, ambrosiano, moçarábico ou wisigótico, galicano ou celta.”

Ritual

“Livro litúrgico de uso indispensável entre os padres que celebram os sacramentos, os sacramentais, exéquias etc. Surgiu nos mosteiros com o nome de livro manual. Tomou várias denominações: livro ritual, agenda, manual sacerdotal, pastoral, paroquial, sacramental, obsequial, benedicional. Cada rito dos sacramentos inicia-se com um preâmbulo, orientação para uma catequeses de preparação que visa à frutuosa recepção de cada sacramento.”

Rito, Ritual, Ritualista, Ritualística

Por sua vez, no Dicionário de Termos Maçônicos, de José Castellani, Trolha, 1989, encontram-se os verbetes rito, ritual, ritualista e ritualística

Rito

“De maneira geral, rito, é o cerimonial próprio de um culto, ou de uma sociedade, determinado pela autoridade competente; é a ordenação de qualquer cerimônia; por extensão, designa culto, religião, seita.

Apesar de não existirem diferenças palpáveis em relação à doutrina, à simbologia, à filosofia, à ideologia, entre os diversos agrupamentos maçônicos, a realidade é que, em relação a ritos, existem diferenças flagrantes, motivadas por interpretações diferentes de fatos históricos, por análises diversas do esoterismo básico de muitas práticas maçônicas; por influências religiosas, políticas e sociais e até por situação geográfica.

A igreja, que é tão ciosa de suas tradições, possui, também, dezenas de ritos diferentes, sendo que a maior parte deles (dezenove) está na Igreja Oriental, enquanto que a Ocidental, com menor número, tem, como seus ritos principais, o Romano, o Ambrosiano e o Moçarábico; isto, todavia, não interfere nas diretrizes doutrinárias, que são comuns a todos os ritos. O mesmo acontece na Maçonaria.”

Ritual

“É tudo o que é relativo a rito, ou que contém ritos; é. Também, o livro que contém a ordem e a forma das cerimônias, religiosas ou não, com as palavras, ou também orações, que as devem acompanhar; mais extensivamente, refere-se a qualquer cerimonial, ou a um conjunto de regras a seguir. Por essa definição, até atos diários da vida de uma sociedade, ou de um ser humano isolado, que se repetem sempre da mesma maneira, são formas de um ritual (conjunto de regras).

Em Maçonaria, o cerimonial de cada rito é o seu ritual que, na atualidade, designa, realmente, o livro que contém a ordem e a forma das cerimônias.

A proliferação de ritos, sem embargo da riqueza intelectual trazida pelas diversas correntes do pensamento maçônico, também acabaria provocando, em algumas ocasiões, em alguns locais e em relação aos ritos mais praticados, um fenômeno de sincretismo maçônico. O sincretismo ritualístico maçônico seria a reunião, num só rito, de práticas homogêneas, ou seja, de vários ritos que viriam incrementar a deturpação do rito original. É o que tem acontecido, infelizmente, com alguns ritos importantes, como o Escocês Antigo e Aceito.”

Ritualista

“É aquele que trata dos ritos, ou escreve a respeito deles (isso como substantivo); como adjetivo, é aquele que tem apego a cerimônias, ou fórmulas, ou seja, que é apegado a ritos. Em Maçonaria, vale o primeiro conceito; mas, ele não pode, na realidade, ser separado, da adjetivação.”

Ritualística

“É um neologismo (do grego, néos = novo + logos = palavra; O adjetivo ritualístico designa aquilo que é relativo a ritual, ou a ritualista; por analogia, criou-se, na maçonicamente, o termos ritualística, tudo aquilo que é referente ao ritual, ao rito, ou ao ritualista, evidentemente, um substantivo (assim, fala-se com ritualística maçônica, expressão na qual “ritualística” seria um substantivo e “maçônica” é o adjetivo).

O termo mesmo sendo um neologismo, não deve ser confundido com ritualismo, que significa conjunto de ritos, ou o apego a cerimônia de formalidade.

Qualquer sociedade que realize um cerimonial, seja público, ou apenas reservado aos seus adeptos, em que exista uma ordenação e uma determinada forma de desenvolvimento da cerimônia, estará exercendo uma função litúrgica. É o que acontece com a Maçonaria. Assim, os termos Liturgia e Ritualística englobam todo o desenvolvimento do cerimonial maçônico.”

Liturgia Maçônica

O livro “A Maçonaria e a Liturgia”, de João Neri Guimarães, Livraria Evolução, 1954, informa-nos o entendimento do autor sobre liturgia maçônica, nos termos seguintes:

“Dentro da Franco-Maçonaria a liturgia não nos pode interessar só como fenômeno histórico, como manifestação de pompa, de suntuosidade, de festa para os olhos, velada pelos preceitos e pela ignorância, aos distraídos e indiferentes que são arrastados pela absorvente corrente dos interesses cotidianos.

A Franco-Maçonaria está tão ligada à liturgia, que contém toda a sua interpretação esotérica e filosófica, que, sem a liturgia a nossa Subl.’. Ord.’. seria corpo exânime. Em seus “Estudos Filosóficos, o Ir.’. DARÈMES, disse com exatidão que, “privar a Franco-Maçonaria da sua língua sagrada é despojá-la da sua força diretora e do sopro vivificador de sua animação universal; é roubar-lhe todo o encanto que está unido à sua crença e às doces esperanças que lhe inspiram seus esforços filantrópicos. Há mistérios nessa Instituição – diz ainda DARÈRES -, que o espírito deve saber compreender sem procurar defini-los.

A liturgia é um fenômeno vital, uma concreção orgânica, uma forma de vida perene e atraente. Com felicidade disse o ilustre escritor que, “a liturgia mostra sua beleza interior por uma dinâmica inexausta”.

Como disciplinadora das nossas tendências negativas, ela impõe a renúncia generosa às próprias expansões que não se enquadrem dentro da regulamentação comum. É a submissão de toda a tendência antropocêntrica, de toda a insurgência egoísta. Em liturgia não existe o singular “eu”, mas o plural “nós”.

Temos na liturgia uma completa concepção de forma e de estilo, no sentido puro do vocábulo: limpidez de linguagem, medida harmônica dos gestos, perfeita conformação do espaço e das tonalidades plásticas e sonoras. Tudo, ideias, palavras, atitudes, expressões e imagens, extraído dos elementos mais simples da vida espiritual. Riqueza opulenta, variedade inesgotável, transparência nítida.

A robustecer e cimentar esse conjunto de qualidades, temos o fato importante de que a liturgia se exprime por uma linguagem desusada entre os homens de hoje, mas profunda e majestosamente clássica.

Resulta, pois, que instintiva e naturalmente vamos olvidando os detalhes históricos, abstraindo as particularidades que encerra, para concentrar a atenção em seu sentido eterno e supra-histórico.

A liturgia encerra dentro de si algo que nos convida a dirigir os olhos e o pensamento para as estrelas. Que nos relembra o giro imutável e eterno de suas órbitas, e nos fala de sua ordem equilibrada e harmônica e de seu majestoso e solene silêncio, na imensidão por onde os astros caminham.”

Donde se conclui que, em uma Loja Maçônica é de fundamental importância que os obreiros que ocupam cargos com funções litúrgicas sejam devidamente instruídos, sobre a eleva importância de suas atribuições, para o exercício da boa prática ritualística, as quais não devem ser apenas mecanicamente executadas, mas, sim, realizadas de modo consciente e enriquecedor espiritualmente. Muito embora se saiba que a perfeição nas ações e atos litúrgicos e ritualísticos é inatingível.

Até porque, a meu ver, para melhor entender a Liturgia e a Ritualística inerentes a cada Rito adotado pelo Grande Oriente do Brasil ou de qualquer outra Potência Regular, é requisito básico que o agente dos atos litúrgicos tenha conhecimento de seus fundamentos históricos, de suas finalidades para o enriquecimento do Cerimonial, como um todo, sem os quais – conhecimentos -, dificilmente será possível cumprir com consciência sua função de acordo com os ditames e das regras estabelecidas, empobrecendo com isso a prática ritualística de qualquer um de nossos Ritos Maçônicos.

Helio P. Leite